Falando sobre sexualidade na infância

Muitos adultos, apesar de confortáveis com as questões da sua própria sexualidade, não conseguem encontrar um caminho natural para tratar dessas tema com as crianças. Precisando de ajuda?

A geração de adultos vem se demonstrando cada vez mais esclarecida e confortável com a sexualidade. Porém, ao tornarem-se pais, a maioria deles sente aquele frio na barriga e não é raro sentirem-se estancados e sem reação na hora de enfrentar as questões da sexualidade que os filhos trazem durante a infância.

O assunto ainda é permeado por inúmeros tabus, dúvidas e inseguranças. Já vai sendo hora de quebrarmos este paradigma! Quem conduz a reflexão é a psicóloga Maitê Hammoud.

Sexualidade x Desenvolvimento

A maior dificuldade que os pais encontram em falar da sexualidade na infância se deve ao fato de fazerem uma associação com fantasias eróticas e ato sexual. Exatamente por isso é importante falarmos sobre as fases de desenvolvimento, com os prazeres que marcam cada uma delas, para contextualizar e desconstruir medos implícitos neste tema.

Fase oral: do nascimento a 1 ano

A primeira experiência de prazer que a criança possui na vida é através da sensação oral, isso porque está ligada à amamentação. Ganhando um pouco de autonomia, a criança fará descobertas que envolvem prazer através desse sentido. Fica caracterizada aquela fase em que as crianças colocam tudo na boca: dedos, chupetas, mordedores, brinquedos, tecidos, entre outros.

Fase anal: de 1 a 3 anos

Durante esta fase, a criança passa a ter noções básicas do seu corpo, explorando o controle da urina e das fezes. Além do prazer obtido através do sentimento de realização e independência conquistados, ela sente prazer ao testar sua capacidade de controle sob os pais através da retenção de fezes e urina.

É comum que isso seja um mecanismo para receber atenção, que se manifesta em falas de preocupação ou acompanhado as idas ao banheiro, com historinhas e incentivos.

Fase fálica: de 3 a 6 anos

Normalmente é aqui quando começam a surgir as grandes preocupações nos pais, pois se materializam os medos de se falar sobre a sexualidade e intimidade do corpo. Ligada ao desfralde, a criança descobre seu órgão genital e, assim como nas outras fases, explora o prazer que pode sentir através dele.

A primeira questão que devemos ressaltar é que se trata de uma mera etapa da fase de desenvolvimento da criança, onde o corpo e o prazer são explorados com entusiasmo pelos pequenos, não tendo qualquer ligação com erotismo, promiscuidade ou o ato sexual. O que a criança persegue são as experiências sensoriais de prazer.

Falando sobre sexualidade na infância

Masturbação primária: um perigo?

Não há como falar de sexualidade na infância sem falar de masturbação primária, já que é muito comum que ocorra na fase fálica, quando a criança faz a descoberta dos genitais e dos prazeres que eles oferecem através da manipulação. As crianças manipulam seus genitais com as mãos, ou então esfregam-se em brinquedos, balanços, travesseiros, etc.

Este é um sinal de que meu filho(a) é precoce ou sofreu abuso sexual? A resposta é não!

Para a criança, a masturbação trata-se apenas de uma experiência sensorial de prazer e descoberta de seu corpo, não se assemelha em nada aos desejos dos adultos. Assim como com tudo o que é prazeroso, a criança busca a repetição. O comportamento irá se reproduzir inúmeras vezes, e não convém entrar em desespero.

Veja pontos fundamentais na postura dos pais:

  • Não a recrimine ou a repreenda a criança por este comportamento. Reações de raiva, medo e temor vão impactar diretamente no desenvolvimento da criança e no conceito que ela constrói sobre a sexualidade e prazer.
  • Sinalize que este tipo de comportamento deve ser praticado em locais reservados, como durante o banho ou quando estiver sozinha em seu quarto. Você estará não só ensinando questões sobre privacidade, como também estará ensinando que a manipulação dos genitais diz respeito à intimidade e se restringem a ela, o que deixa a criança menos menos vulnerável a experiências traumáticas com terceiros.

Diferenças anatômicas entre meninos, meninas e adultos

Também é na descoberta de sexualidade na infância que as crianças começam a perceber as diferenças entre homens e mulheres, demonstrando intensa curiosidade em conhecer o corpo de outros coleguinhas, além de questionar a razão anatômica dos dois sexos. O processo de dúvidas diz respeito à autoimagem que a criança está construindo sobre si mesma.

Devo ter vergonha de falar sobre as diferenças? Claro que não! A partir do momento em que você sana tais dúvidas, falando de maneira confortável sobre a anatomia do corpo, você estará evitando que a criança busque tais informações com colegas de sala ou outros adultos.

Você pode contar abertamente que homens e mulheres são diferentes, que quando chegam à fase adulta nascem pelos, os seios crescem, e que isso faz parte do desenvolvimento do corpo. É recomendado que você coloque o desenvolvimento do corpo dentro da realidade que a criança conhece. A linguagem acessível, dentro das experiências já vividas, facilitará sua compreensão sobre o tema; cite como bebês vão crescendo, tornando-se crianças, ganhando altura, peso, fale sobre como os cabelos crescem, etc.

Falando sobre sexualidade na infância

De onde vêm os bebês?

Afinal, de onde foi que eu vim? Como eu saí da sua barriga? Como se coloca um bebê dentro da barriga? Com a mesma naturalidade que você pode falar sobre o desenvolvimento do corpo e etapas da vida, você pode falar sobre sexo e o tão temido “de onde vem os bebês”.

Não há necessidade de usar termos complexos sobre anatomia humana, é importante que você encontre uma forma de falar a verdade, de maneira simples, sempre se atentando ao que a criança está perguntando. Por exemplo, as crianças podem questionar sobre como se fazem bebês. Se são necessários óvulos e espermatozoides, transforme essa informação em linguagem acessível: você poderá falar que o homem tem uma sementinha e que a mulher tem um ovinho no qual a sementinha é colocada.

Responda sempre o que a criança está perguntando, não tente evadir ou confundir. Mais adiante, quando outras dúvidas surgirem, complemente as informações: por onde a sementinha entra, por onde o bebê sai, etc.

Sem tabus

O que posso fazer para contribuir com o desenvolvimento de meu filho e me sentir segura e confortável? Para responder a essa pergunta, vale lembrar que grande parte das dificuldades e falta de manejo envolvem questões de nossa criação, valores ultrapassados que se perpetuam ao longo de gerações, os quais possuem uma imensa carga cultural. Contudo, o principal ponto continua sendo a falta de informação.

Conte com estas dicas para facilitar o diálogo sobre a sexualidade com seu filho:

  1. Vença suas inseguranças e esteja sempre um passo à frente, tendo como aliados informação e conhecimento. A criança será um reflexo do que você transmitir, por isso, vencer seus próprios preconceitos e dificuldades em lidar com o tema é fundamental. Conheça as etapas do desenvolvimento e quais são os medos que você carrega sobre o assunto, estando seguro e confortável para não ter reações explosivas ou punitivas. Tais experiências podem causar traumas e impactar negativamente no desenvolvimento da criança.
  2. Nada de mentiras. As crianças, por sua própria natureza, já criam inúmeras fantasias. Ao mentir, você estará contribuindo para a construção de fantasias desnecessárias, estimulando que ela carregue dúvidas e que tenha a sensação de não poder confiar na informação que recebe em casa. Nada de cegonhas, repolhos ou de falar que, ao se masturbar, crescem pelos nas mãos, os genitais caem, ou muitas outras mentiras que já são quase lendas. Se você estiver confortável com termos “pênis”, “vagina” e “sexo”, a criança também ficará.
  3. Responda o que ela está perguntando. Quando receber uma pergunta inusitada, antes de perder os estribos sobre qual resposta dará, questione sobre como a dúvida surgiu. Muitas vezes, a questão não está vinculada a qualquer impulso sexual e, neste momento, falhas de comunicação podem gerar desconfortos e mais dúvidas.
  4. Fundamente e incentive a reflexão. Ao dizer que isso ou aquilo não pode, explique a razão. Desta forma ficará mais fácil para a criança compreender o conceito do valor que está sendo transmitido, diminuindo a chance da repetição. Por exemplo, ao se masturbar em público e serem colocados limites e razões para não ser feito, voltando a ocorrer, estimule a reflexão: “Você vê a mim ou ao seu pai fazendo isso em público?”. Com atitudes assim, fica mais fácil para ela assimilar os valores que você transmite, pois estarão inseridos na realidade em que vive.
  5. Faça uso de material lúdico. Bonecos e bonecas que possuem órgãos genitais, ou barriga de grávida removível, livros infantis que abordem o assunto com ilustrações podem ser um grande apoio nesse período de dúvidas e descobertas. É importante que você faça as leituras e interações junto com seu filho(a), compartilhando sobre o tema e transmitindo tranquilidade. Da mesma maneira que foi natural ler com ele o livro infantil sobre usar o penico, livros sobre desenvolvimento humano e sexualidade infantil também deverão ser leituras tranquilas.
Falando sobre sexualidade na infância

E atenção! Não associe sexualidade infantil com sinais de abuso. Esse é um temor frequente e, para afrontá-lo, entenda melhor as manifestações de um quadro de abuso infantil e como se prevenir.

Fotos: por MundoPsicologos.com

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Maitê Hammoud
maitehammoud@hotmail.com