Alzheimer e o luto em vida

A presença do Alzheimer não afeta somente o doente, mas toda a família. É preciso encontrar mecanismos para lidar com a perda, que assume diferentes formas conforme vai passando o tempo.

Quando você recebe o diagnóstico de Alzheimer de um ente querido, é o momento no qual se conhece o verdadeiro significado da palavra impotência, ficando em evidência as limitações do ser humano diante de uma doença incurável. Quem explica melhor o quadro é a psicóloga Maitê Hammoud.

Ao mesmo tempo em que o futuro parece traçado com a certeza da progressão da doença, as incertezas tomam os seus pensamentos, fazendo com que você tenha que lidar com a angústia de não saber como serão as transformações que, com certeza, passarão. Esta ambivalência gera a sensação de estar vivendo um pesadelo, mas estando acordado.

Surgem os momentos de revolta diante da progressão e degeneração física e mental, apesar dos cuidados e da assistência. A sensação é de estar numa montanha-russa de emoções, sem saber quando será a próxima subida ou quanto durará a próxima queda.

O luto em vida

Por mais doloroso que seja, a morte é de nosso conhecimento e conseguimos nos adaptar e aprender a lidar com a dor da perda, vivenciando o luto por alguém que já partiu, mas a presença do Alzheimer torna tudo mais difícil, intenso e delicado. Contrariando ordens e sentidos, faz real o inimaginável, submetendo a vivência do luto ainda em vida.

Alzheimer e o luto em vida

A cada momento é estabelecido um novo vínculo que, em seguida, é perdido. Amanhã já terá mudado e hoje já não se sabe o que sabia ontem. É como se aquele que sofre de Alzheimer se tornasse, a cada dia, uma nova pessoa, ao mesmo tempo em que a outra morre.

O luto é diário: você perde alguém que ainda não morreu. Você perde uma mãe, um pai, um avô, uma avó, um marido ou uma esposa. Perde o papel de filho, filha, neto, neta. Perde a conexão com aquela pessoa que marcou sua vida com tamanha importância, assim como a oportunidade de compartilhar da mesma história, da posição de filho, do abraço forte e do afago terno e carinhoso.

Perde parâmetros, um ombro amigo, os caminhos, o modelo de inspiração de tantos anos e a posição de ser cuidado, para se tornar cuidador. É difícil e devastador aceitar a ideia de que aquela pessoa independente, inquieta, autônoma e sorridente agora constantemente não se alimenta sozinha, quase não fala, mal controla suas necessidades fisiológicas e constantemente torna-se inerte, se perdendo no olhar que mira o vazio e vai perdendo cada vez mais a conexão com sua história, com seu vínculo e com tudo aquilo que a tornava especial.

Sentir-se impotente em não conseguir impedir que uma doença apague a conexão entre o seu mundo com o mundo do outro é doloroso e devastador. E, como se já não bastasse, nesta montanha-russa de altos e baixos, sem indicativos da intensidade que será vivida ou do término de seu sofrimento, além da relação, perdem-se alguns amigos, apoio de alguns parentes queridos, qualidade de vida, expectativas e muitos sonhos, que vão se distanciando tanto quanto o doente vai se distanciando da sua existência e do convívio que antes era tão familiar.

As perdas vão se acumulando e torna-se cada vez mais difícil lidar com o fato da sua fraqueza perante a realidade. Há aqueles que se sentem atropelados por suas emoções, enquanto outros, na tentativa de sobreviver, se distanciam delas, agindo racionalmente, como se usassem um escudo, protegido pelas ações, providências, racionalidades, cuidados e assistência que deve promover.

Não é incomum, ao experimentar desta dor, terminar um dia de trabalho estafante desejando ir para qualquer outro lugar, menos para casa. Na tentativa desesperada de sonhar com a possibilidade de se tratar apenas de um pesadelo, de não ser obrigado a lidar com seus medos e de conciliar o esgotamento físico e mental.

Como se não bastasse, ainda é necessário enfrentar a incerteza de quem irá encontrar, se serão meras preocupações com chaves que se perderam, lembranças do passado ou se do carinho e respeito subitamente se manifestarão as formas de agressividade, sejam no olhar, nas palavras, nas desconfianças ou acusações incabíveis e irreais.

O desespero paira e chega a ser difícil controlar os pensamentos, que clamam pela morte daquele alguém ou por sua própria morte, refletindo a necessidade de cessar o sofrimento, suas fraquezas e esgotamento. Assim seguem os pensamentos da dor, combinados com culpa e sussurros que pedem forças para não desistir, temendo a perda da sua saúde e sanidade que impossibilitariam o cuidar e o viver.

Alzheimer e o luto em vida

Afinal, quem cuida do cuidador?

Com tudo isso acontecendo dentro e fora de você, ainda passa pela sua cabeça a possibilidade de não precisar de cuidados? A doença de Alzheimer não atinge apenas o paciente: envolve toda a família na sua complexidade, nas angústias e nas dúvidas não esclarecidas.

Mães, pais, filhos e netos mergulham num processo imenso de aflição, tristeza, incompreensão, desconfiança, cobranças e críticas. Por isso, cuidar da saúde do cuidador torna-se tão vital quanto cuidar da saúde do doente.

Além de grupos de ajuda mútua, onde são compartilhadas emoções e dificuldades, recebendo apoio e a escuta empática de quem partilha da mesma dor, é fundamental que aquele que é afetado indiretamente pela doença esteja em acompanhamento psicológico, para poder contar com o apoio adequado e necessário e, assim, continuamente usufruir de cuidados, conforto e acolhimento neste caminhar.

Apenas através do fortalecimento emocional será possível viver nesta montanha-russa com a probabilidade de alcançar maior qualidade de vida, minimizando os prejuízos. Encontrando equilíbrio é possível adquirir a flexibilidade que se exige quando, apesar das diferenças, é necessário encontrar soluções para o cotidiano onde todos possam dividir responsabilidades e tarefas, impedindo o adoecimento com a sobrecarga física e emocional.

Ao invés de se distanciarem pelos conflitos, ao sentir-se mais fortalecido e amparado, aumentam-se as chances da aproximação entre os familiares, fazendo com que, além da ajuda mútua, encontre no outro um alicerce a partir do compartilhamento das mesmas emoções e perdas. Esta parceria é decisiva na continuidade das vidas afetivas e profissionais dentro das possibilidades, sem que exista privação de prazer e até mesmo de se perder sentido da vida.

É ela também que favorecerá a rotina com o portador de Alzheimer com menos sofrimento. É preciso cuidados para não adoecer junto com o doente, possibilitando a capacidade de lidar com os altos e baixos, favorecendo a rotina de ambos e, dessa forma, aumentando as chances de paliar a evolução do quadro, restringindo a dor do luto daquele que está partindo e permitindo que quem fica continue em posse de seu futuro.

Fotos: por MundoPsicologos.com

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Maitê Hammoud
maitehammoud@hotmail.com