​Relato de relacionamento abusivo

Já é uma luta conseguir identificar um relacionamento abusivo. Mais difícil ainda ser capaz de romper as amarras e sair dele. Acompanhe, a seguir, a história de quem conseguiu recomeçar.

Conheci o Guilherme em um período delicado da minha vida… Eu estava estressada, cursando o último ano da faculdade, e tendo que trabalhar em período integral. Além disso, havia acabado de terminar um relacionamento com um colega de trabalho, e ver meu ex todos os dias só fazia aumentar a dor do coração partido.

Foi aí, no meio de tantas lágrimas, que conheci o Guilherme. Ele era um cara legal, que aparentava ter boas intenções e falava de um futuro ao meu lado. Tudo corria bem naquele processo de se conhecer e de conquista, mas meu estresse aumentava drasticamente em função de tantos afazeres. Sem conseguir controlar, demonstrava estar ridiculamente frágil diante do meu novo namorado, e foi então que ele começou a mudar

Eu sofria de depressão e ansiedade, e por muita ou pouca coisa, ele gritava comigo, questionando a razão de eu estar sempre tão triste, tão imprestável… Sua voz alta entrava pelos meus ouvidos e causava um verdadeiro estrago dentro de mim, a ponto de eu sentir, ainda hoje, as infinitas cicatrizes “invisíveis” que carrego.

As brigas se tonaram frequentes, em alguns momentos eu vivia um verdadeiro terror. Mas, ainda assim, havia muitos momentos bons, o que me fazia prosseguir com o relacionamento.

Após algum tempo de namoro, decidimos morar juntos, e o que deveria ser um momento feliz, um passo importante no relacionamento, não foi. Os episódios de raiva ficaram cada vez mais frequentes.

​​Relato de relacionamento abusivo

Guilherme gritava comigo por quase tudo que eu fazia. Por eu perder muito tempo cuidando da casa, por fazer amizades com os vizinhos… se eu reclamava por acordar com o barulho de seu vídeo game de madrugada, eu era taxada de agressora, insensível, insuportável e tudo mais que sua imaginação conseguisse pensar.

Não tenho qualquer noção de quantas vezes me refugiei por horas no banheiro, trancada, na tentativa de encontrar algum tipo de segurança, para ganhar tempo para mim mesma. Enquanto não conseguia conter as lágrimas, questionava o porquê de eu ser tão ruim, ou o porquê de eu ser alvo de tantas ofensas e explosões de raiva.

Não é fácil entender que se trata de violência contra a mulher

Era difícil entender por que alguém tão engajada em causas contra a violência da mulher como eu estava sendo conivente com toda essa história. Afinal, eu continuava nessa relação, vendo como minha vida ia se transformando (para pior). Muitos anos se passaram e, de repente, me vi enclausurada dentro da minha própria tristeza, vítima constante de agressões e reproches.

O tratamento de depressão se estendia há alguns anos, e chegou numa fase do relacionamento que era latente controlar as crises de ansiedade. As feridas emocionais e as péssimas lembranças só serviam para temer uma explosão. Eu agia na defensiva, reagindo com agressividade a qualquer comentário que viesse dele, e isso só causava mais brigas e discussões.

​​Relato de relacionamento abusivo

Desde menina eu sonhava em ter uma vida feliz, mas a verdade estava estampada para quem quisesse ver: meu relacionamento com o Guilherme só me entristecia, e estava me afundando cada vez mais em minhas próprias lamentações.

Sair da inércia é um processo

Pouco a pouco fui reconstruindo minha autoestima e comecei a perceber que sempre que saía da minha própria casa eu me sentia aliviada. Fui me dando conta de que eu temia a chegada do final de semana, pois passaria longas horas dentro de um quarto.

Fui me dando conta de que não é possível viver me sentindo uma prisioneira, de que eu não concordava com as falas dele, nem com as acusações. Por isso, não as devia tolerar.

Fui me dando conta de que relacionamento é feito de duas pessoas e não de uma, por isso, para melhorá-lo, apenas o meu envolvimento não bastaria… se o outro não entendesse a violência como problema, seria uma grande tolice tentar convencê-lo do contrário. Relacionamento se faz de parceria, consenso e muito respeito.

Me senti em uma guerra por muitos anos, perdi a maioria das batalhas… mas, hoje, o pouquinho de autoestima que reconstruí é suficiente para que seja possível levantar a bandeira branca: não existem ganhadores ou perdedores. Apenas quero seguir meu caminho, e sentir que posso respirar fundo em qualquer lugar que eu esteja.

O Guilherme nunca me agrediu fisicamente, e nem por isso deixo de reconhecer que vivi um relacionamento abusivo. Não permita, valorize-se. Você pode!

Amor que rebaixa é dor. Nunca se esqueça disso.

Você que está passando por um relacionamento semelhante… reflita:

  • Ele te ama… mas está sempre de mau humor.
  • Ele te ama… mas sempre grita com você.
  • Ele te ama… mas quem elogia você são sempre os seus colegas, ele mesmo nem nota, ou pior, critica.
  • Ele te ama… mas, na perspectiva de futuro que ele oferece, você não se vê feliz.
​​Relato de relacionamento abusivo

Pode ser que ele ame você, sim. Mas será que o amor que ele tem para oferecer é o amor que você busca para você?

Relato real de Maria do Carmo (nome fictício)

Sobre os relacionamentos abusivos

A dinâmica de um relacionamento abusivo depende da combinação dos parceiros: de um lado um parceiro dominador, e muitas vezes agressivo, do outro alguém com perfil submisso, e que sofre de baixa autoestima.

Nem sempre a vítima possui esse perfil, mas o parceiro dominador vai envolvendo a parceira ou o parceiro no seu jogo, e através da sua agressividade, muitas vezes expressa com sutileza, com comentários em tom de voz agradável, vai minando a autoestima da vítima. Ela se sente impotente diante das decisões de sua própria vida, e ainda começa a acreditar que o parceiro é quase indispensável.

A busca por apoio profissional é essencial, já que, apenas através do acolhimento, autoconhecimento e fortalecimento emocional, será possível fortalecer a autoconfiança e reunir a força necessária para a tomada de decisões e imposição de limites.

Além do empoderamento, falar sobre as questões que envolvem a escolha do parceiro, refletir sobre a manifestação dos primeiros sinais de violência, também permite prevenir o início de relacionamentos com perfil semelhante.

Colaboração: psicóloga Maitê Hammoud

Fotos: por MundoPsicologos.com

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Maitê Hammoud
maitehammoud@hotmail.com