Autolesão: cortes mostram intenso sofrimento

Cerca de 20% dos adolescentes e jovens recorrem à autolesão como forma de expressar o sofrimento emocional. A realidade é que esse comportamento deve ser entendido como um pedido de ajuda.

Pode parecer contraditório, mas muita gente recorre à dor para aliviar a dor. A maioria das pessoas, por falta de informação, ainda menospreza sinais que indicam que algo está errado no campo da saúde mental e emocional, acreditando que tudo se trata de fases e que, com o tempo, irá passar. O sofrimento expresso através de medidas mais drásticas como automutilação não é fase, e precisa ser afrontado. Veja as considerações da psicóloga Maitê Hammoud.

Afinal, o que é autolesão?

A autolesão, internacionalmente conhecida como cutting, é caracterizada pelo ato de ferir-se sem que exista intenção suicida. Esse comportamento acomete aproximadamente 20% dos adolescentes e jovens adultos da população mundial, podendo indicar traços de uma personalidade impulsiva e emocionalmente instável.

A autolesão normalmente ocorre como uma tentativa desesperada de diminuir o sofrimento emocional, e até mesmo de manifestar um pedido de ajuda.

O que está por trás da autolesão?

A autolesão pode ser entendida sob várias perspectivas:

Tentativa de controle

Muitas vezes o sofrimento emocional é tão intenso, que, ao praticar a autolesão, cria-se uma sensação de externalização de uma ferida, diminuindo o sentimento de impotência para aquele que sofre com a dor emocional e trazendo sensação de controle, uma vez que a dor emocional não é tão simples de ser cuidada ou acessada. Já a ferida externa pode ser vista, tocada, tratada com medicamentos, promovendo a sensação de controle e alívio.

Modo de expressão

Quando as lesões são feitas em locais do corpo que frequentemente são expostos, ou a pessoa divulga os ferimentos através de rede sociais, com fotos ou os exibe de forma intencional aos familiares e amigos, muitas vezes é mal compreendida, sendo ridicularizada ou menosprezada. Não são raros os casos em que acaba sendo interpretada como alguém rebelde ou que quer chamar a atenção.

Autolesão: cortes mostram intenso sofrimento

O que muitos não sabem é que o comportamento autolesivo frequentemente está associado a quadros depressivos e isolamento social, e que exibir os ferimentos pode ser a única maneira que aquela pessoa encontrou para expressar seus sentimentos e pedir ajuda.

Sensação de alívio

Outro aspecto que é foco de pesquisas e estudos através de PET scan (tomografia por emissão de pósitrons, uma modalidade de diagnóstico por imagem que permite o mapeamento de diferentes substâncias químicas radioativas no organismo), é o fato de que aqueles que praticam automutilação demonstram liberação de endorfina após o ato de se automutilar.

A endorfina é um neurotransmissor conhecido também como “hormônio do bem-estar”. Sua presença faz que a pessoa, após se automutilar, experimente de alívio. Ou seja, a sensação que a automutilação promove nessas pessoas é semelhante àquela obtida após a prática de atividades físicas intensas, como esportes ou exercícios aeróbicos na academia.

Sinais de um quadro de autolesão

A automutilação é intencional, podendo ser praticada de diferentes maneiras e em graus variados como: cortes, queimaduras, arranhões, beslicões, mordidas ou espancamentos. Na maioria das vezes, aqueles que se automutilam escolhem lugares do corpo de menor visibilidade para prática, recorrendo a estratégias para esconder os ferimentos:

  • Em dias de calor, a pessoa dá preferência a mangas compridas;
  • Uso de largos braceletes;
  • Ter medo ou receio de usar roupas mais confortáveis próximo de outras pessoas, roupas que podem deixar pulsos, tornozelos e outras partes do corpo expostas;
  • Frequentemente entre seus pertences podem ser encontrados giletes, canivetes, etc;
  • Por serem mais frágeis do ponto de vista emocional, tendem a estar mais vulneráveis a comentários e reprovação, demonstrando incômodo intenso quando questionados.
Autolesão: cortes mostram intenso sofrimento

É comum que, ao descobrirem sobre a autolesão, pais e outros familiares sintam-se culpados e questionem-se se o comportamento ocorre por alguma falha na educação. Por falta de preparo, informação e segurança, muitas vezes evitam abordar o assunto, sem saber como ajudar ou apoiar. É muito importante entender que, em casos assim, “esperar essa fase passar” nunca é a melhor opção.

É fundamental que seja feito o acolhimento por parte de amigos e familiares, permitindo não apenas o fortalecimento emocional como também a busca de novas estratégias para alcançar a expressão de sentimentos e o alívio da dor e sofrimento.

O acompanhamento psicológico é imprescindível. Possibilita os cuidados necessários com as dores e feridas emocionais, a construção e o fortalecimento da autoestima e confiança. Essas são as bases que servirão para minimizar o sofrimento e impactar diretamente a saúde e qualidade de vida.

Além dos benefícios emocionais e psíquicos, o acompanhamento psicológico é necessário para prevenir a manifestação de quadros mais graves, já que o quadro de autolesão pode estar associado a quadros psiquiátricos como transtorno de personalidade borderline, abuso de álcool e drogas, depressão, transtornos alimentares e suicídio.

O suporte medicamentoso através do acompanhamento psiquiátrico pode ser necessário para controle de impulsos e auxílio na estabilização do humor.

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Maitê Hammoud
maitehammoud@hotmail.com