A luta contra a depressão

Depressão não é algo que dá e passa. O tratamento é longo, não há remédio capaz de acabar com o mal-estar de um dia para o outro. Veja o relato de alguém que há 10 anos luta contra a doença.

Muito falamos sobre empatia e sua necessidade, mas ainda hoje, minha sensação sobre as pessoas que nunca sofreram com um quadro de depressão é de que não têm qualquer habilidade para demonstrar sua empatia sobre o assunto. Isso só demonstra que simplesmente não sabem como agir ou ajudar.

Ao longo de 10 anos tive alguns episódios de depressão, e ainda hoje encontro barreiras em amigos e familiares, por simplesmente não entenderem como é, na prática, viver com depressão. Se trato de relembrar tudo o que aconteceu comigo nesses 10 anos, concluo que meu primeiro episódio de depressão foi aos 15 anos.

Ninguém fez nada a respeito. As pessoas que faziam parte da minha vida na época percebiam algo errado, mas encaravam como uma mera fase de minha adolescência. E o resultado dessa postura fez com que o caso só se agravasse e persistisse por mais tempo.

Após o fim do meu primeiro relacionamento sério, que havia começado aos 14 anos, fui invadida por uma tristeza sem fim. As notas na escola caíram drasticamente (inclusive repeti aquele ano na escola). Sofria de insônia e cada noite passava lentamente ao som de músicas tristes, reconfortantes para um deprimido.

Eu sentia que minha vida havia acabado e tudo o que queria era não acordar para um novo dia. A tristeza era tão intensa que dormir para sempre seria uma ótima maneira de acabar com ela. Lidar com ela a cada dia me deixava absolutamente exausta.

Eu tentava de tudo para amenizar isso que eu sentia… parecia ser uma espécie de espectro que me envolvia corpo e alma, exercendo controle sobre o tempo e, propositalmente, fazendo com que cada minuto do meu dia se arrastasse; cada minuto era sentido como eterno. Dias e noites longos e intermináveis.

A luta contra a depressão

Eu tentei me anestesiar…

Eu tentei de tudo para amenizar aquela força que agia sobre mim. Tentei me anestesiar com drogas, bebidas, baladas, escrevia poemas, assistia filmes e lia livros de autoajuda. Tentei fazer parte de pelo menos 5 religiões diferentes, e mesmo a psicoterapia ter sido uma das apostas naquela época, nada parecia ajudar, nada era capaz de devolver meu prazer em viver.

Para mim, viver era como um fardo, um castigo que tinha que experimentar todos os dias. Me sentia submersa em algo muito maior, como se eu estivesse acorrentada embaixo d’água em um enorme oceano, e ninguém conseguia me ver para me socorrer.

Muito se fala sobre a depressão e seus sintomas, mas a sensação de sentir-se aprisionado dentre desses sintomas é devastadora: tudo fica bagunçado dentro e fora de você. É como se muitas coisas estivessem acontecendo dentro de você e você não tivesse qualquer controle, totalmente diferente de todas as outras vezes em sua vida que você se sentiu triste e conseguiu fazer algo a respeito.

Depressão é diferente, é muito mais que tristeza… bem mais.

Você acorda um dia e, “sem motivo aparente”, suas calças estão folgadas por você ter perdido peso de repente; pouco depois, você se sente mal para lidar com o fato de só ter um pijama antigo para vestir por você ter ganhado peso de repente, e nenhuma de suas roupas servirem ou caírem bem.

“Sem motivo aparente” você se sente amaldiçoado pela insônia, sofrendo com todos os pensamentos ruins que te invadem. Se sente tão cansado que ficar na cama o dia inteiro parece ser a única coisa que você é capaz de fazer naquele momento.

A falta de higiene pessoal é outro sintoma: levantar da cama para ir até o banheiro se torna uma grande jornada para o deprimido, pensar em tomar banho então, nem se fala. O corpo fica pesado, e você realmente se sente tão indisposto a ponto de não conseguir ficar 15 minutos em pé para ensaboar o corpo ou passar shampoo nos cabelos.

A cada tarefa simples, por menor que seja, você sente que não dará conta, é exaustivo.

A luta contra a depressão

Socorro, eu não estou sentindo nada!

O sabor dos alimentos não é mais o mesmo, a vida parece estar acinzentada e os dias de sol com o som das risadas das pessoas que passam pela rua contrastam violentamente com o que você está sentindo: faz você se lembrar de não estar tendo controle de seu corpo, e muito menos de sua vida.

Familiares e amigos tentam ajudar e incentivam a fazer mil e uma coisas que viram na TV ou leram na internet, sobre a prática de esportes, hobbies, meditação, sempre com a melhor das intenções… mas costumam falar de uma forma que parece tão simples, e só serve para me sentir pior… tantas sugestões “simples” e eu encontrando dificuldades até mesmo para conseguir escovar os dentes regularmente.

Esse primeiro quadro de depressão demorou dois longos anos para passar. No final dele, já conseguia levar melhor minha vida sem tantos prejuízos, e sem chamar tanta atenção. Porém, por um bom tempo, fui dominada por um sentimento de apatia, não sentia nem tristeza nem alegria.

Nada parecia importar tanto e ouvia com frequência uma música do Arnaldo Antunes que traduzia bem o que eu vinha sentindo:

“Socorro eu não estou sentindo nada, nem medo, nem calor, nem fogo… não vai dar mais para chorar nem para rir… socorro alguém me dê um coração.”

Após esse longo episódio, tive mais alguns. Demorei alguns anos até encontrar bons profissionais e compreender a necessidade do tratamento multidisciplinar, com acompanhamento psicológico e psiquiátrico.

A luta contra a depressão

Faço acompanhamento com meu médico psiquiatra periodicamente e a psicoterapia nunca abandonei, mesmo nos momentos bons. Atualmente estou em tratamento. Após um longo período sem sentir qualquer mal-estar ou traços de depressão, a sobrecarga emocional da perda de um amigo e estresse na vida afetiva e profissional, contribuiu a manifestação novamente da depressão.

Diferentemente do que grande parte das pessoas imagina, medicamentos não fazem milagres, e nem de longe são a pílula da felicidade artificial. O tratamento é longo, às vezes demora até encontrar o tipo e a dosagem que vai estabilizar a crise, e mesmo estando em acompanhamento, alguns dias é muito difícil levantar, cumprir minhas obrigações e me esforçar para que tudo pareça o mais normal possível, sem muitos prejuízos.

Não culpe alguém por estar com depressão, não julgue! Depressão é uma doença, e seu tratamento depende de muito investimento e, principalmente, de muita compreensão por parte das pessoas que estão ao redor. Só assim se torna possível.

Relato real de Tina (nome fictício)


Algumas considerações sobre a depressão

A depressão é um transtorno de humor que envolve inúmeros sintomas físicos e psíquicos. A ausência de tratamento, além de contribuir para evolução do quadro, favorece o desenvolvimento de outras doenças, impactando drasticamente a vida profissional, social e afetiva da pessoa.

Dados estatísticos recentes da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelam que 5,8% da população brasileira sofre de depressão, o que representa 11,5 milhões de pessoas. Atualmente, o Brasil é o país com maior prevalência de depressão na América Latina e o segundo maior em prevalência das Américas, ficando atrás somente dos Estados Unidos.

Os altos índices atribuem-se principalmente à falta de conscientização na hora de identificar os sintomas, além da busca tardia por apoio profissional. Por isso, é urgente ressaltar: independente do que possa ter contribuído para qualquer desequilíbrio em seu corpo ou sua mente, ao sentir-se triste com frequência, desmotivado, com problemas de concentração, perda de interesse por atividades prazerosas, alterações no apetite e peso, sono e letargia, não deixe de procurar um médico para avaliação.

E conte sempre com o suporte psicológico para lidar com qualquer dificuldade que esteja enfrentando. Pedir ajuda sempre será a melhor solução.

Colaboração: psicóloga Maitê Hammoud

Fotos: por MundoPsicologos.com

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Maitê Hammoud
maitehammoud@hotmail.com